
“Menos de 10% das coisas na vida de uma pessoa fazem valer a pena viver (...) Portanto, este mundo de dor e luta foi criado por Deus. O Deus que criou um mundo tão miserável não pode ser uma boa pessoa”, dizia a personagem Misaki Nakahara, do mangá/anime japonês “NHK ni Youkoso” (como afirmou Umberto Eco, os quadrinhos de hoje são intelectuais). A frase aplica-se muito bem ao contexto vivido pelo Tottenham: se Deus existe, ele não tem sido uma pessoa muito benevolente com os Lilywhites. Mais uma temporada amarga, futebol pífio, campanha desastrosa na Premier League e uma chance remota de classificação na Copa da UEFA. O alento pode estar reservado, mais uma vez, na Carling Cup, com a possibilidade da conquista no bicampeonato no próximo domingo.
O jogo contra o Hull City foi um perfeito retrato da afirmação da neurótico-depressiva Misaki: um jogo desprezível que desafiou a paciência dos espectadores dispostos a assisti-lo. Olhava para a tela do computador de forma apática, visto que minha cabeça estava longe da falta de qualidade apresentada no “espetáculo” de anteontem, não valia a pena se concentrar muito naquilo. Perplexidade – isso sim é o que a partida despertou. Os moldes eram de um jogo entre crianças pequenas, nas quais todas vão uniformemente como uns esfomeados em busca da bola, dando chutões sem direção e esperando que, de alguma forma, eles entrem para o gol.
Entretanto, em poucos segundos o ânimo retorna com a recompensa aos bravos que insistiram pacientemente em assistir o embate, em dois momentos: na esperta jogada tramada por Modric, ao observar Lennon livre na cabeça da área, quando este dispara um belo chute no canto direito superior do goleiro Duke. Golaço. O outro prêmio veio da testada de Woodgate, que já nos salvou no passado, e novamente traz sua marca, garantindo uma importante vitória ao Tottenham, com a qual abrimos uma distância de 5 pontos em relação à zona da degola.
Certamente foram menos de 10% de prazer nas duas horas dedicadas ao futebol naquela tarde, mas, mesmo sendo tão pouco, valeu a pena. Se for necessário que seja assim durante o resto da temporada, que seja então, desde que valha a pena no final, especialmente na final da Carling Cup. Resta-nos torcer para isso nesse resto de temporada, posto que a perspectiva de melhora substancial é remota.